27 dezembro 2010

Por uma vida que valha a pena ser vivida

Desde que voltei a trabalhar no mercado corporativo têm sido mais raros os momentos em que consigo dedicar tempo para escrever. Então, aproveito a brecha entre Natal e Ano Novo!
Em meio a esta vida frenética que se vive hoje – pelo menos nas cidades – o que acaba me preocupando mais é a falta de tempo para Ser, já que a todo o tempo temos que fazer, fazer, fazer. Esta questão de “viver uma vida que valha a pena” tem sido muito presente em mim - de fato, a maior preocupação que sinto não é mais ter isto ou aquilo, mas viver a vida de um modo que possa aproveitar a “dádiva” que é estar viva. Para isto é preciso limpar da mente e do coração um bocado de ilusões, já que em meio a tantas tarefas a cumprir, contas a pagar, expectativas dos outros a atender, toda a forma de estresse para lidar - trânsito, poluição, lixo e barulho por toda a parte - muitas vezes, a vida pode parecer mais uma condenação.
Depois de quase 10 anos de yoga e muita terapia, vejo claramente que a paz interna é o grande alicerce para a felicidade mais duradoura - um estado de ser que permanece apesar das flutuações do dia-a-dia e dos fatos e acontecimentos mais corriqueiros. E a maior parte desta paz chega quando vai embora o medo – em todas as suas formas. A paz toma o espaço antes ocupado pelo medo e traz uma sensação de rara liberdade e fé na vida.
Nos últimos anos, passei por muitos acontecimentos difíceis, muita lapidação, e junto com a superação do sofrimento alcancei um estado bem mais destemido e equânime.
Por certo que o bem estar ainda depende em grande parte do que acontece (ou deixa de acontecer), mas acho que conquistei um eixo que já não balança mais por qualquer vento. Também deixei de ser pautada por tanta ambição, hoje o que me motiva são certas aspirações, tudo muito mais ligado ao Ser mesmo – e talvez o único medo que tenha permanecido é o de não aproveitar a vida de verdade - o medo de desperdiçar a vida!
A rotina corporativa consome muito, os objetivos e motivações são na essência egoístas. Até mesmo as iniciativas aparentemente altruístas são, na maioria das vezes, mais algum meio para se atingir um determinado fim, que na ponta do processo será sempre mais vendas, incentivo ao consumo ou dividendos (para alguém que nem conhecemo, claros!) Por isso que valorizo tanto um dia-a-dia aprazível, cultivar o bem estar nas míninas coisas do cotidiano. Ter paz em casa é fundamental. E manter a atenção ao propósito e significado das nossas ações, para não perder o senso crítico do que se está fazendo e para quê.

Este campo da “sustentabilidade corporativa” traz um mar sem fim de discursos demagógicos e procedimentos burocráticos. Sim, com o diria o José Simão, “tucanaram” a sustentabilidade! Hoje é fácil encontrar alguma ferramenta ou novas tecnologias “às pencas” que se prestam a apontar soluções para questões que poderiam ser resolvidas pelo simples bom senso. É preciso muito foco e desapego para não se perder em meio a parafernália de tranqueiras tecnológicas, indicadores, ISOs, regulamentações, “conformidades” (leia-se: estar de acordo com a burocracia). Isso sem falar dos colegas que trabalham com “sustentabilidade” e que se acham acima dos outros mortais – esta talvez seja a faceta mais triste desta história – a pretensa busca pela sustentabilidade tem servido para inflar mais ainda os egos e ao invés de unir pode separar ainda mais as pessoas.

É por isso que considero como fundamental - para qualquer um - especialmente para aqueles que pretendem liderar iniciativas voltadas ao desenvolvimento sustentável – que cuidem em primeiro lugar da sua ecologia interna – busque se conhecer de verdade, cuidar da sua alimentação, da qualidade dos seus pensamentos e sentimentos, da qualidade das suas atitudes e das relações com os outros, nos diversos aspectos da vida. Por que fica impossível se importar com a reciclagem do lixo em casa quando não se percebe ao menos quanto lixo que é absorvido diariamente devido a este estilo de vida entoxicante que a maioria das pessoas tolera, e que deixamos o sistema perpetuar.

Estou cada vez mais convencida de que o desenvolvimento da espiritualidade é a chave para a sustentabilidade tão almejada – pois se cada um se conectar a si mesmo e conseguir reconhecer a presença divina no mundo, passará a se identificar com os demais, deixando fluir o amor a agindo com mais solidariedade. Então, fazer a coisa certa passa a ser a opção mais natural. Este tema dá uma tese e será pauta para os próximos artigos.
Um Feliz 2011 a todos!

14 setembro 2010

Um bilhão de subnutridos

Segundo um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 925 milhões no mundo vivem em estado de subnutrição. Nos últimos 15 anos o número de pessoas nesta condição inaceitável caiu menos de 10%, e continua girando em torno de 1 bilhão de seres humanos!
Há muito tempo estamos perdendo a batalha contra a fome, a guerra, o terrorismo, a destruição ambiental e todas as outras mazelas que nossa sociedade produz. O mais triste de tudo isso é que não parece haver uma real perspectiva de mudança no curto prazo, pois a humanidade está de fato vivendo num estado de total alienação da realidade e de profunda ignorância em relação a nossa própria qualidade do que é ser humano. O que impera é uma total crise de valores onde falta o mais básico senso de pertencimento a este mundo em que vivemos. É como se todos vivessem aqui, mas não fossem daqui, pois tudo e todos se tratam como entidades isoladas que nada têm haver com os demais. A noção de interdependência e solidariedade está (aparentemente?) perdida e o que se vê é só uma ganância sem fim para ganhar, ganhar, ganhar, enquanto isso todos só tem a perder, perder, perder!
As pessoas simplesmente não se identificam minimamente com o seu semelhante - não é incrível? Pois se não fosse assim, não haveria toda esta desgraça ocorrendo a nossa volta. Tudo isso é fruto da própria ação humana, pois no mundo há recursos e conhecimento suficientes para mudar o curso da coisas. Falta o reconhecimento da espiritualidade, da moralidade, falta amor.
Enquanto não conseguirmos desenvolver uma massa crítica de pessoas espiritualmente conscientes, capazes de reconhecr o mundo como ele de fato é - a nossa casa - e as outras pessoas como membros de uma mesma irmandade (afinal somos ou não somos uma espécie humana?) e portanto agir de acordo com os valores de preservação de nossa gente e de nosso meio, só aumentará a destruição até um ponto de tragédia incalculável, de caos de fato. Pois se não conseguirmos promover as transformações necessárias a tempo, este sistema falido irá ruir de vez. Estamos produzindo uma vida de condenação e sofrimento para a imensa maioria, tá tudo fora do lugar, nem os ricos são de fato felizes. Como podemos resgatar o sentido da vida como uma dádiva e oportunidade de evolução? Não é pelo consumo e pela violência, certamente.
Cada um precisa ter a coragem para olhar dentro de si, em silêncio, e começar a conhecer quem de fato é e para que está nesta vida.
Por fim, faço um apelo para que as empresas parem com essa maquiagem verde ridícula que não engana a mais ninguém - vamos ter um mínimo de vergonha na cara e usar a comunicação para educar as pessoas a fazer o que é certo, ao invés de ficar gastando milhões para se vangloriar de ser a mais sustentável nisso e naquilo. Pois o que é a sustentabilidade senão um estado almejado e ainda não alcançado? Tenhamos antes de tudo humildade para reconhecer que estamos bem encrencados, e vivendo num mundo de crise, apesar dos pontuais progressos econômicos que estão permitindo a quem não consumia, consumir mais. E por melhor empenhadas que estejam determinadas empresas, estamos todos num processo de busca por um modelo mais equilibrado, e ainda longe de alcançá-lo.

11 agosto 2010

Planeta e Humanidade

Fonte: Nosso Futuro Comum - Hugo Penteado

"Alguns pontos para pensarmos de Einstein, nosso primeiro cientista-ambientalista da Terra:“A ciência sem a religião é paralítica, e a religião sem a ciência é cega."“O maior sintoma de loucura dos tempos atuais é querer fazer sempre as mesmas coisas esperando resultados diferentes.”“Se as abelhas sumirem, os animais irão sumir e com eles os homens, em quatro anos.”Todos os cientistas com visão sistêmica tornaram-se profundos admiradores da natureza e do planeta, os físicos principalmente, é através da física que se derruba toda a teoria econômica tradicional (isso dá outro email, mas vamos ver o impacto deste). Os físicos satirizam a visão dos economistas e avisam: “Caros irmãos, tudo a sua volta é matéria e energia, matéria e energia se combinam o tempo todo e para ter mais matéria e energia é preciso mais matéria e energia. O ser humano não produz nenhum dos dois. Portanto, na sua teoria de crescimento, onde vocês prevêem perfeita substituição dos bens da natureza, quando o homem um dia será capaz de produzir outros fatores materiais que não os da natureza, vocês tentam revogar várias leis básicas da física, pois tudo, mesmo com tecnologia, vem da natureza. Isso é um absurdo, porque como vocês sabem a sua pseudo-ciência é uma irmã siamesa da física.” Mais de 1.600 cientistas, 170 prêmios Nobel assinaram um alerta para a humanidade com base nas questões que teimosamente ignorávamos.Sobre tecnologia, um bom exemplo é alguém estar na sua sala de casa, jogar um balde de lama nela e imediatamente uma máquina limpa a sujeira. O melhor seria não ter jogado o balde de lama na sala? Emito gás carbônico na nossa finíssima atmosfera e imediatamente pensamos em recapturá-lo. Não seria melhor a princípio não emiti-lo? Os danos do gás carbônico não são apenas os sistêmicos, como o aquecimento global, são locais também. A tecnologia pode ajudar e muito, mas a tecnologia não remove a finitude da Terra e não temos, como Nicholas Georgescu-Roegen aponta em seus livros, um problema só de energia, mas principalmente de matéria, afinal energia é usada para construir, movimentar carros e equipamentos e nada disso é colocado em cima de uma copa de árvore intacta. A tecnologia ao invés de evitar problemas, soluciona problemas que antes deveria ter evitado. Esse erro é reforçado pelas métricas econômicas que só trabalham com fluxos (para que olhar estoques se o planeta é inesgotável), com quocientes (de poluição ou consumo de recursos por exemplo), através do qual uma árvore só tem valor quando derrubada ao chão. No fundo, Aristóteles dá uma boa razão para tudo isso: “Quando nossos interesses estão em foco, somos os piores juízes das nossas ações.”Na agricultura, segundo Lester Brown do Earth Policy Institute, estamos mais próximos dos atrasos ecológicos gerados nos últimos 100 anos e é um excelente exemplo do risco que contratamos para o futuro (mesmo sem mudança climática, apenas por uma questão quantitativa, como fim de recurso hídrico cuja extração foi maior que a sua reposição natural tanto na China quanto nos Estados Unidos). A produção mundial de grãos já está enfrentando declínio em relação a 2000 e um declínio pelos atrasos ecológicos é inevitável – converter a Amazônia em monocultura não será uma boa saída, ao que tudo indica. Não há tecnologia substituta da água, apenas de redução do seu consumo relativo, mas o consumo absoluto de água e de tudo sempre cresceu, sem observar que o estoque de água na Terra é finito. Tudo isso ignora que os ecossistemas e a biodiversidade não estão aí apenas para serem comidos, são reguladores químicos e regeneradores do solo, do ar, da água através de 20 serviços ecológicos que estão todos eles em colapso, de acordo com o primeiro esforço humano de avaliar a situação ecossistêmica do Millenium Ecossystem Assessment. A revisão desse estudo em 2008 nasceu com o título “Civilization Collapse”.Sobre as derrapadas dos cientistas, ela é uma pena em um universo muito maior de pesquisa séria, conforme mostra George Monbiot em sua análise. IPCC recebeu Prêmio Nobel não por outra razão exceto pelo grau de acerto de todas as suas previsões de horizonte temporal curto dos últimos 10 anos. Os seus méritos são reconhecidos até pelos seus opositores. IPCC nunca disse saber qual é o futuro, ele próprio trabalha com vários cenários num horizonte temporal maior e o mais importante não é saber qual vai ser o cenário, mas avaliar os riscos dentro de um princípio de precaução. A ciência sabe que há determinadas rupturas de captura de carbono ou de ciclos atmosféricos ou oceânicos que se deflagrados, a vida na Terra será inviável, a ponto do cientista Martin Rees já ter declarado que a possibilidade da humanidade chegar no século XXI é pequena. A negação é um processo recorrente, os fabricantes de cigarro apresentavam estudos médicos que alegavam que o fumo fazia bem à saúde. Quando foi estabelecida a relação de causalidade entre o buraco da camada de ozônio e o CFC, a maior produtora mundial fez um lobby de 15 anos para evitar seu banimento. Os regimes tiranos comunistas todos eles se auto-declaravam democráticos, da mesma forma que todas as empresas, até as de cigarro, se declaram socioambientalmente sustentáveis. No caso do ozônio, estava em jogo a sobrevivência da vida na Terra, pois sem a sua proteção, o DNA é lentamente destruído. O mesmo pode estar acontecendo com um imenso lobby de petróleo e indústrias derivadas que nos fez fazer uso de automóveis cuja eficiência energética é de apenas 1% e se esse desperdício fosse removido, poderíamos evitar a construção de 20 usinas Belo Monte. Ninguém morreria feliz com isso, com certeza. A morte sistêmica, coletiva, diferente da individual, é um horror que já aconteceu várias vezes na humanidade.Os 20 serviços ecológicos que sustentam a vida na Terra são irreproduzíveis e são preocupações muito materiais e maiores que a do aquecimento global. Mais preocupante é a evidência da maior extinção em massa da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos, ocorrida em décadas e causada pelo homem, e é muita ingenuidade, como escreveu Stephen Jay Gould, achar que essa extinção jamais irá se voltar contra os causadores. Aqui na Terra todos os seres vivos dependem de todos os seres vivos, se as plantas e animais sumissem, a água sumiria junto. Mas ainda sobre o aquecimento global, o gás carbônico emitido em quantidades diárias estratosféricas na finíssima atmosfera da Terra vem de um material do subsolo que estava lá há milhões de anos e, portanto, não há ciclo regenerativo para ele, não tem como ser limpo ou reciclado pelo planeta, é uma poluição em definitivo com danos na saúde de todos e é apenas um item de vários que a humanidade optou para manter sua rota de colisão com a Terra (outros materiais tem o mesmo destino, como metais, compostos químicos, etc. também não possuem mecanismos de regeneração e é aí que a tecnologia deveria introduzir um ciclo fechado, do berço ao berço e não do berço ao túmulo, mas sempre, com o reconhecimento dos limites da Terra). Mesmo quem não acredita em aquecimento global deveria ficar horrorizado em amanhecer em cidades com céus marrons onde muitos bebês são forçados a mudar para o interior por problemas respiratórios.Sobre Malthus, ele é erradamente citado em várias vertentes no qual a tecnologia seria capaz até de produzir um novo planeta (é o que será preciso em algumas décadas se continuarmos com essa visão de mundo). A tecnologia que trouxe a explosão de alimentos ignorava a finitude da Terra e as vinculações ecológicas da mesma forma que Malthus. Ele não estava preocupado com o crescimento da população, como todo mundo acredita, mas com o crescimento dos alimentos. A seu tempo, se algum de nós voltasse ao passado, e o avisasse que a produção de alimentos iria crescer exponencialmente no futuro, ele teria dito: “Salvos! Não há problema algum então a humanidade crescer infinitamente, exponencialmente, como de fato cresceu.” O erro de Malthus é o mesmo erro que a nossa civilização – como a de Páscoa – comete: não há limite para nossa expansão sem limites. Será? A Terra, um sistema fechado e finito, é afinal um subsistema da economia-humana ou a economia-humana é um subsistema da Terra? Se o sistema dominante é finito, porque o subsistema que se instalou nas suas entranhas acredita ser infinito? Provavelmente porque raciocina igual a um vírus, que avança sem se importar em matar seu hospedeiro. No nosso caso, nós só temos um hospedeiro."

05 fevereiro 2010

Miopia ou hipocrisia?

Não costumo repercutir artigos de terceiros, mas recebi este pelo admirável jornalista André Trigueiro e é uma reflexão fundamental. É de uma lucidez e relevância realmente acachapante. E me toca a fundo, pois estou conhecendo na pele o que é querer reduzir o consumo de petróleo no setor produtivo. Além disso, como comunicadora, é triste demais ver como colegas de profissão usam as relações públicas para formar opiniões (ou desconstruir opiniões) que vão acarretar em ainda mais destruição para o nosso já combalido planeta. É muita ignorância para uma raça só.
Confiram:


A cruzada para negar o aquecimento global
Ladislau Dowbor
Doutor em Ciências Econômicas e professor titular da PUC-SP

Não há dúvidas sobre o aquecimento global, nem sobre o peso das atividades humanas na sua geração. No entanto, depois de dois anos de uma gigantesca campanha de mídia, envolvendo também a criação de ONGs fajutas e de movimentos aparentemente “grass-root”, portanto “espontâneas e comunitárias”, e sobre tudo listagens de cientistas “céticos” visando dar impressão de “quantidade”, temos resultados, e para os grupos do petróleo, do carvão e semelhantes, terá valido a pena. Segundo a revista britânica The Economist, a proporção de estadunidenses que achavam existir evidências sólidas de aumento das temperaturas globais caiu de 71% em abril de 2008 para 57% em outubro de 2009 (Carta Capital, 16/12/2009, página 48)O estudo de James Hoggan (Climate cover-up: The cruzade to deny global warming) não é sobre o clima, mas sobre comunicação, e consiste essencialmente em mapear como a campanha foi montada e como hoje funciona. A articulação é poderosa, envolvendo instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros, muitos republicanos e a direita religiosa.Os grandes grupos corporativos aparecem mais discretamente, com exceção da ExxonMobil que inundou com dinheiro o mercado de consultoria e de comunicação. Este “inundou”, naturalmente, é um conceito relativo: são centenas de milhões de dólares, mas New Scientist lembra que “as empresas de petróleo têm vastos lucros. Só a ExxonMobil lucrou US$ 45 bilhões em 2008. Em um mundo sano, certamente encontraríamos uma maneira de desviar um pouco deste dinheiro para resolver os problemas que o próprio petróleo está gerando. A questão é: estamos vivendo num mundo sano?” (NS, 5/12/2010, p. 5) Não custa lembrar que estas empresas não “produzem” petróleo, e sim extraem e comercializam um bem herdado da natureza que está acabando.Em termos de personagens, encontraremos os das causas conservadoras e muitos personagens “flexíveis”, como Frank Luntz, Christopher Walker, Fred Singer, Patrick Michaels, Arthur Robinson, Steven Milloy, Benny Peiser e numerosos outros, além da eterna estrela do “contra”, o dinamarquês Lomborg, que graças à sua disponibilidade anti-clima ganha financiamentos para incessantes palestras.Profissionais das relações públicas (sim, o nome é este) estão sempre presentes. Hoggan, o autor deste estudo, é um profissional de relações públicas e conhece profundamente como funciona a indústria da construção e da destruição das reputações de pessoas ou de causas. Isso o levou a fazer o presente levantamento detalhado de como se estrutura, com o impressionante poder das tecnologias modernas de comunicação, a manipulação da opinião pública. Independentemente da causa, no caso o drama do aquecimento global, o que é muito interessante no livro é entender esta indústria da desinformação.Naomi Oreskes organizou uma meta-pesquisa, com o buscador “mudança climática global”, e limitada a artigos revistos por pares (peer review). Encontrou 928 artigos, nenhum colocando dúvidas sobre a realidade do processo climático. Nos jornais, no entanto, comentando a pesquisa, 53% dos artigos, buscaram ouvir “os dois lados”, e colocaram de maneira equilibrada opiniões de contestadores. Zero por cento de artigos científicos contestadores sobre o processo climático em si, mas nos jornais aparecia como “um tema em discussão”. O que era o objetivo. O tema está em discussão, afirmam gravemente os grandes grupos geradores do aquecimento (não diretamente, sempre por meio de listas de livre inscrição), portanto o assunto “é controverso”. Os “céticos” passam a se apresentar não como contestadores do fenômeno, mas como os que têm uma visão equilibrada, sem extremismos, portanto acreditam que talvez haja um problema, mas temos de ser ponderados, e adiar decisões.No caso de Naomi Oreskes, é curioso, pois um Dr. Benny Peiser, professor de educação física (esporte mesmo, não física), realizou uma pesquisa sobre “mudança climática” (e não “mudança climática global”) e apresentou uma lista não de 928 artigos, mas de mais de 12 mil. Portanto, os 928 representariam apenas uma pequena parcela das opiniões. Os jornais, devidamente estimulados (a Fox em particular, naturalmente), fizeram alarde. Faltava demonstrar que os 12 mil tinham opinião contrária. Pressionado por revistas científicas que se recusavam a publicar o seu artigo, Peiser conseguiu localizar 34 artigos “que rejeitam ou duvidam da visão de que as atividades humanas são a principal causa do aquecimento observado nos últimos 50 anos”. Pressionado ainda para mostrar os artigos e os argumentos científicos em artigos “peer reviewed”, Peiser finalmente chegou a um artigo científico de contestação. Não era revisto por pares, e foi publicado na American Association of Petroleum Geologists. (102)Tudo isto, evidentemente, amplamente divulgado, em particular por redes de institutos empresariais conservadores, utilizando em parte os mesmos grupos de relações públicas utilizados nas campanhas de caça-voto dos republicanos, e apoiados nas tecnologias de ampla divulgação como youtube. O resultado de tudo? Frente a tanta celeuma, os grupos interessados puderam passar a dar entrevistas “equilibradas”, pois estaria claro que “há controvérsias”. Que era o único objetivo da campanha. Não de negar o inegável, mas de dar a entender que as pessoas comedidas, equilibradas, não vão fazer nada, e muito menos pressionar os agentes do aquecimento global.O livro é muito instrutivo para quem lida com comunicação, com teoria dos lobbies, com manipulação política. O próprio Hoggan menciona como é cansativo, a cada vez que aparece um cientista de peso mencionado no grupo “cético”, fazer circular a carta de denegação do cientista, ou destrinchar uma lista de milhares de “opositores” para ver se há no meio alguém que realmente tenha feito alguma pesquisa sobre a única coisa finalmente relevante, que não é a “opinião”, e sim dados científicos novos que provem algo diferente. E depois tentar fazer circular a informação de que a “notícia” afinal não era notícia, isto numa mídia onde as corporações financiam a publicidade.Uma pérola entre os argumentos e uma das mais utilizadas: “Como os cientistas dizem que podem prever o clima dentro de 50 anos se não são capazes de prever a chuva de amanhã”. Como se meteorologia e estudos climáticos fossem da mesma área. Um britânico pode não saber se vai nevar amanhã, mas sabe perfeitamente prever que vai chegar o inverno e o frio correspondente, e não hesita em comprar um casaco. Mas o argumento pega e se apoia numa fragilidade que é de todos nós: se nos dão um argumento que confirma a opinião que já estávamos propensos a ter, qualquer estribo vale.O estudo bem poderia ser traduzido e utilizado para os nossos próprios problemas como, por exemplo, o peso da bancada ruralista na opinião pública, ou as campanhas orquestradas pela FEBRABAN, ou ainda a campanha contra a proibição de armas de fogo individuais, estribadas no “direito de se defender” e até na “liberdade”. Nos Estados Unidos, temos precedentes interessantes e igualmente desastrosos tanto no caso das armas, como na batalha das grandes empresas de saúde privada aliadas com o “Big Pharma” para tentar travar o direito de acesso a serviços de saúde, sem falar das gigantescas campanhas das empresas de cigarros.O último livro de Robert Reich, aliás, “Supercapitalim”, também trata desta apropriação dos processos políticos pelas corporações. O filme “O Informante” mostra como isto se deu com a indústria do cigarro, enquanto “The Corporation” explicita o mecanismo de maneira ampla. Marcia Angell fez um excelente estudo dos procedimentos equivalentes na indústria farmacêutica (em português, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos). A própria desinformação se transformou numa indústria. É a indústria da opinião pública.No caso da mudança climática, como qualificar a dimensão ética do que constitui uma clara compra de opiniões? Ou os ataques impressionantes das empresas de advocacia das corporações, que processam qualquer pessoa que ouse sugerir que uma opinião poderia envolver não a verdade, mas interesses corporativos? O liberalismo tem uma concepção curiosa da liberdade.

Ladislau Dowbor é Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP. Consultor de diversas agências das Nações Unidas. Autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (Ed. Senac) http://dowbor.org

04 fevereiro 2010

Na prática

Faz muuito tempo que não escrevo pro blog! Tenho escrito para tantas coisas, mas estar na corporation é assim: ser incorporado de fato, e quanto mais se trabalha, mais trabalho aparece, num insaciável movimento por mais e mais que vem de todos os lados.
Na minha trajetória pelo mundo da tal "responsabilidade corporativa" sempre tive a causa da reciclagem como a preferida, é uma causa de alma, pois realmente vejo na reciclagem a solução para os grandes desafios da sustentabilidade corporativa, ou pelo menos boa parte deles. Trabalhar este tema permite atuar na macro estrutura da coisa, puxando toda uma cadeia de valor, mexendo desde a substituição de matérias-primas tradicionais por outras mais sustentáveis (e assim gerando produtos mais viáveis para o ambiente), passando pela ecoeficiencia (via revisão de tecnologias e processos, para que se produza de forma mais limpa), passando pela educação corporativa (formando os líderes de hoje, que têm nas mãos a responsabilidade de definir como vai ser o mundo a partir de agora), educação ambiental do consumidor (todo mundo precisa saber escolher o que está comprando, e os impactos dessas escolhas), isso sem falar do incentivo à economia solidária (gerando renda para quem mais precisa sair da probreza), da interação com o poder público (melhor não comentar!!), entidades (aja corporativismo) e ONGs(o que seria do mundo sem elas??). Lidar com tudo isso é inerente a projetos estruturais nesta área.
Ufa, isso é um pouco do que tenho feito, antre otras cositas mais. Para quem queria lutar pela reciclagem, ter a oportunidade de trabalhar numa das maiores produtoras de embalagens do mundo (agora se tornou a maior...) é o desafio de sair do discurso e ir para a prática mesmo. É como pedir uma "ponta", mas receber o papel principal. Uia. Sem historinha. É toda a teoria na prática. E eu que pensei que dar conultoria era muita responsa.....e é, com todo o respeito aos meus colegas e a minha origem! Mas nada se compara a estar no cockpit, e fazer ao vivo, dançando conforme a música. Esqueça controle. Aqui negociação é 120%.
Esta tem sido uma experiência muito enriquecedora, uma grande viagem antropológica. Depois de longos anos de verdadeira lapidação espiritual, hoje é um outro olhar, impossível não analisar tudo o que se passa do ponto de vista do desenvolvimento humano e das relações humanas, e felizmente com mais ferramentas e preparo - em todos os sentidos - para lidar com as triturações. Estou num momento que olho o meu passado e vejo tudo como um grande treinament. É tão bom ver que nada foi em vão, e que cada gota de suor ou lágrima valeu a pena. Acho que para quem está no meio do oceano, ter um barco, ainda que sem remo, ao invés de ser gota d'agua, já é meio caminho andado. Eu sinto a emergência de uma nova consciência, uma onda sutil que vibra no ar e que aflora das mais diversas formas, no olhar, no pensar e no agir de muitos, e tudo isso convive com o medo e a resistência dos que ainda não despertaram e ainda não se aprontaram para a grande virada, que não querem ver, mas que avistam cada vez mais o limite e, no fundo, sabem ser inescapável chegar ao ponto da mutação, o pulo para o desconhecido. Mas ainda preferem achar que tudo não passa de movimento de mercado, pois assim dá para lidar com essa nova estratégia empresarial. Como fala o Macaco Simão, "tucanizaram a sustentabilidade"...
No duro, todos precisam se proteger de alguma forma. Abrir o peito e se entregar é para poucos. Por isso a fé não pode faltar. Aonde houver um feixe de luz, por mínimo que seja, se acaba a escuridão. E assim vamos fazendo, fazendo, pois fazer é a nossa parte, mas a nós não pertence o resultado das nossas ações. É preciso muita fé e desapego para viver nos dias de hoje.