24 agosto 2009

Descartaveis

"Tenho um porta-lápis lotado de canetas promocionais que ganho em eventos. Quando acabam, vão para o lixo. É assim desde que eu era criança, com as inúmeras canetas esferográficas. Ao final de cada ano, um estojo de canetinhas hidrográficas ia para o lixo.Canetas de plástico são embalagens para a tinta, que é o que usamos para escrever. Assim como as centenas de copos plásticos de iogurte ou requeijão que devo ter jogado fora ao longo da minha vida. Mas e o que dizer de certos aparelhos de barbear que não permitem que você troque as lâminas? Uma vez perdido o corte, o destino é o lixo. Ou ainda, dos copos plásticos? Porque neste caso não se trata da embalagem. Trata-se do produto em si.Quando o hábito era comprar tecido para se fazer a roupa, o corte era sempre mais clássico, pois ela tinha que durar mais. Atualmente, a modinha acessível das lojas da José Paulino ou do Brás, aqui em São Paulo, permite o descarte das peças tão logo a estação tenha acabado. Sei de quem compra meias e as joga fora quando ficam sujas, pois seu custo é tão baixo que permite descartar (perdão pelo trocadilho infame) a etapa de lavagem do produto.Esse fenômeno não é muito diferente do que acontece com celulares: cada vez que sou obrigada a trocar meu celular porque já não vendem mais bateria para o modelo que eu tenho, me deparo com um modelo que dura menos que o anterior. Agora há pouco estava conversando com uma pessoa que tem um computador de 2003 – exatos seis anos de vida útil – e que já se tornou obsoleto para rodar programas mais pesados: descobri que é mais caro trocar uma única peça, o processador, do que comprar um aparelho novo (e fazer o quê com o velho? Jogar fora!).Traduzindo: consumismo não é só uma atitude individual ou um estilo de vida. Tampouco é algo restrito às classes sociais mais altas. Consumismo é resultado da falta de opções não descartáveis. Alimentos, que há algumas décadas eram vendidos a granel, muitas vezes em embalagens retornáveis, hoje só estão disponíveis em algum tipo de invólucro plástico descartável. Em muitos casos, a opção não descartável implica em uma significativa diferença de preço. Ou você conhece alguma caneta tinteiro que custe barato? Em outros casos, sua vida útil é restrita: qualquer consumidora de Natura sabe que de tempos em tempos o tamanho do refil dos cremes muda para que eles não se encaixem nas embalagens antigas, levando a uma nova compra.Sim, é óbvio que a prevalência dos produtos descartáveis visa aumentar vendas. Para tanto, vale-se da comodidade que esses itens oferecem. E viceja graças à simbiose em que mercado e psicologia coletiva se unem para cultuar a juventude e sua áurea, não necessariamente verdadeira, de liberdade, diversão e falta de responsabilidade. Afinal, o novo é sempre e necessariamente melhor que o velho, certo? Basta pegar as duas palavras – novo e velho – fora de contexto. Fale-as em voz alta. Que valores e imagens uma evoca? E a outra?Como envelhecimento é um processo inevitável que atinge a todos nós, vale a pena rever os conceitos. Afinal, ninguém gosta de se sentir “velho” na maneira como o termo é sentido hoje. Mas também não dá para fingir que se é jovem: basta olhar para a Donatella Versace e ver o desastre que resulta dessa postura. Precisamos ressignificar “novo” e “velho”. E isso passa obrigatoriamente por mim e por você. Não como um processo de culpa (oh, meu Deus, meu banho está colocando em risco a vida do planeta!!!), mas de realização pelo simples prazer de conservar algo que nos é caro (para quem não sabe, essa palavra vem de cordis, que significa coração em latim). Prazer de preservar uma roupa bonita. Ou um celular no qual tivemos tantas conversas importantes. Ou ainda uma caneta com a qual deixamos nossa assinatura ao longo da vida. Preservar relações com pessoas queridas. E, principalmente, preservar a auto-estima mesmo diante da flacidez, da barriga e dos fios brancos.Eu quero consumir. Eu gosto de consumir. Mas eu gosto de mim e, por isso, quero coisas boas. E as coisas boas, a gente não joga fora. "

Fonte: http://ascendidamente.blogspot.com/2009/08/descartaveis.html